01. A PEDRA DA RAPOSA RABUGENTA

Uma Fábula da Floresta Adormecida e seus Esquecidos Amores.

Do livro de Contos – O Andarilho – Histórias de Criança para Transformar Adultos – de Alexandre Viana
Imagem de Amir Boucenna por Pixabay

INTRODUÇÃO:

A PEDRA DA RAPOSA RABUGENTA

Em meio ao verde profundo de uma floresta ancestral, onde árvores centenárias sussurravam segredos ao vento, habitava uma pequena raposa. Jovem em idade, mas com uma alma já carregada de um temperamento azedo e resmungão.
No aconchego das noites estreladas, ela invariavelmente buscava o repouso sob a majestosa sombra do “GRANDE JATOBÁ DA FLORESTA”, uma árvore de tronco rugoso e galhos retorcidos, testemunha silenciosa de inúmeras eras e depositária de uma sabedoria ancestral. Enquanto a floresta pulsava com a lida de seus habitantes – a caça furtiva, o cuidado zeloso com as crias, a busca por sementes nutritivas, a paciente escavação de tocas seguras –, A PEQUENA RAPOSA permanecia em sua placidez, banhada pela aura serena do GRANDE JATOBÁ, alheia à agitação da vida selvagem.
Até que, em uma manhã de orvalho cintilante, uma voz melodiosa quebrou seu sono pesado.
Acorda, amiga RAPOSA, acorda! – gorjeou O SABIÁ CANTADOR, sua canção um trinado cristalino que ecoava entre as folhas – Desse jeito, você perderá a sinfonia matinal dos seus irmãos alados!
A RAPOSA, espreguiçando-se com evidente contrariedade, respondeu com um tom arrastado e mal-humorado:
Ah, não me importune, SABIÁ tagarela! Por que não vai exibir sua música enjoativa para algum bando de surdos e me deixa em paz, em meu merecido descanso?
O SABIÁ, com o peito oprimido pela tristeza, alçou voo em silêncio, sua melodia silenciada pela aspereza das palavras. E A RAPOSA, embora contrariada por ter sido despertada, arrastou-se para mais um dia de sua existência rabugenta.
No dia seguinte, o sol mal havia rompido o horizonte quando outro amigo se aproximou com a intenção de despertá-la.
Acorda, amiga RAPOSA, acorda! – exclamou o QUATI PESCADOR, exibindo um peixe prateado que reluzia em sua boca – Desse jeito, os melhores petiscos do rio escaparão!
A RAPOSA entreabriu um olho sonolento e lançou um olhar de puro desdém.
Ah, QUATI pestilento! Por que não se atira de vez no rio e se livra desse odor nauseabundo de peixe que impregna tudo ao seu redor? Deixe-me em paz e vá exalar esse fedor longe daqui!
O QUATI PESCADOR, magoado com a ingratidão da amiga, retirou-se cabisbaixo, levando consigo a promessa de não mais importuná-la. E A RAPOSA, já desperta pela grosseria de suas próprias palavras, seguiu seu dia com a mesma disposição irritadiça.
Na manhã subsequente, sob a copa frondosa do VELHO JATOBÁ, a cena se repetiu, com uma lentidão quase meditativa.
Acooorda, amiga RAPOSA, acoorda – murmurou, com sua voz pausada e arrastada, o sábio BICHO PREGUIÇA, pendurado preguiçosamente em um galho do ANTIGO JATOBÁ – Venha contemplar a beleza radiante do dia no céu da nossa abençoada floresta!
E A RAPOSA, sua irritação fervilhando como lava, sibilou:
Ah, PREGUIÇA indolente! Mesmo com sua lentidão exasperante e essa voz monótona, conseguiu perturbar meu sono! Por que não vai importunar outro com suas histórias insípidas e demoradas?
Sem proferir uma única palavra de ressentimento, o sábio BICHO PREGUIÇA, amigo leal apesar da rudeza, desapareceu com a lentidão que lhe era peculiar entre a folhagem densa do JATOBÁ milenar. E A RAPOSA, mais uma vez privada de seu sono matinal, iniciou seu dia com um humor ainda mais azedo.

E assim se sucederam inúmeros dias, cada amanhecer trazendo uma nova tentativa de despertar a raposa, invariavelmente recebida com resmungos e insultos. Até que, em uma gélida e bela noite de inverno, a raposa se aninhou para dormir, como de costume, aos pés do VELHO JATOBÁ. Contudo, na manhã seguinte, um silêncio incomum pairava na floresta. Nenhum amigo se aproximou para acordá-la, nem mesmo o vento ousou sussurrar mais forte, e até as folhas do VELHO JATOBÁ hesitavam em cair perto de seu leito de folhas secas. O temor de seu mau humor havia silenciado a floresta, e ela permaneceu em seu sono profundo.

As manhãs se transformaram em semanas, as semanas em meses, e A RAPOSA continuou adormecida, até que a primavera tingiu a floresta com cores vibrantes e melodias renovadas. As estações dançaram em seu ciclo eterno, mas ela permanecia imóvel. Ninguém mais se atrevia a perturbar seu sono; alguns até mesmo a esqueceram. Os anos se esvaíram, e a maioria de seus antigos amigos sucumbiu ao tempo e à velhice. Ela, porém, persistia em seu sono letárgico sob o olhar compassivo do VELHO JATOBÁ. Seu descanso era sereno e profundo, como se a própria ideia de despertar lhe fosse repulsiva.

Tanto e tão profundamente ela dormiu que, lentamente, sua forma se petrificou, transformando-se em uma bela pedra esculpida pela natureza no exato contorno de uma raposa adormecida. E àqueles que buscavam a paz e a sabedoria do “MILENAR JATOBÁ DA FLORESTA”, para meditar em sua tranquilidade lendária, eram instruídos:
Será fácil encontrar O VELHO JATOBÁ. É a árvore mais imponente e antiga desta floresta. E mesmo que a busca se torne desafiadora, lembrem-se que é a única que guarda a seus pés uma bela pedra, moldada na forma de uma RAPOSA em sono eterno.
Meu bisavô, O SÁBIO BICHO PREGUIÇA, que há mais de um século reside nos galhos do JATOBÁ, confidenciou-me que aquela formação rochosa é conhecida como “A PEDRA DA RAPOSA RABUGENTA”, e que A RAPOSA foi relegada ao esquecimento por não valorizar aqueles que lhe ofereciam afeto. Meu bisavô revelou também que um dia descerá do VELHO JATOBÁ para despertá-la pela derradeira vez, mas que aguardará o derradeiro suspiro de sua própria existência terrena para fazê-lo, pois ao romper o sono da raposa petrificada, ele partirá antes mesmo de ouvir o último insulto de sua velha amiga, A RAPOSA RABUGENTA.

ALEXANDRE VIANA
24/11/2004.
“O eco da grosseria pode petrificar a própria alma, selando um sono eterno na solidão do esquecimento.”

ÚLTIMA REVISÃO
05/04/2025

CONCLUSÃO:

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2 comentários em “01. A PEDRA DA RAPOSA RABUGENTA”

  1. Amei .
    Me fez refletir muito sobre a negatividade e a rispidez com o outro ,e que isso realmente afastam as pessoas umas das outras.

    1. Olá Andrea, obrigado por seu comentário,
      Realmente a pessoa ranzinza está fadada à solidão, e quantos não conhecemos em nosso convívio por aí não é mesmo?
      “O silêncio e a ausência são os piores castigos para quem faz o outro sofrer.”
      Aconselho afastar-se de pessoas que não entendem o poder da gentileza, é uma perda desnecessária da energia do bem… é quase impossível mudar a natureza arraigada de um mal educado teimoso.

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